terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O Garoto da Bicicleta

A RESISTÊNCIA

Quando Cyril fere a cabeleireira com a tesoura e foge, a mulher fica só e explode em choro. Se o filme fosse um melodrama clássico, o corte seria feito aí, em cima do choro. Como não é, a cena se extende até tomar uma nova forma: ela segura o choro para voltar ao estado de sensatez que permitirá a ela ser capaz de usar o telefone para entrar em contato com autoridades. Demonstração de auto - controle sobre-humano.

Da mesma forma, Cyril, quando todos o tomavam como morto, se levanta, ressurge e simplesmente dá prosseguimento a aquilo que ele planejava fazer antes de ser atacado por Martin: mesmo fatigado, mesmo após quase ter morrido, ele vai levar o carvão para o churrasco da sua “nova família”.

Seres humanos dotados de forças supra-humanas.

A NOVA FAMÍLIA

A propósito, Jean Michel Frodón escreveu a um tempo atrás um artigo intitulado “Familie Politique”, no qual constatava em um conjunto de filmes franceses contemporâneos um certo movimento comum a todos eles: a substituição da família tradicional (sanguínea) pelo estabelecimento de novos laços afetivos.

“Reis e Rainha” (Desplechin), “Água Fria” e “Horas de Verão” (Assayas), “O Filho” e “A Criança” (Dardenne).

A DIREÇÃO DOS OLHARES

Em vários momentos, eventos adultos como sexo e trabalho são observados pelo olhar puro de Cyril. Mas existem momentos em que esse olhar infantil sobre os adultos é conjugado com um uso sagaz do espaço cênico: é o restaurante onde o pai dele (Jeremie Renier) trabalha. O filho, pendurado na janela pelo lado de fora, chama o pai, que o atende. No entanto, a dona do restaurante chama o pai, “Guy, um prato de almôndegas!”, e ele deixa o filho esperando do lado de fora para executar o pedido. Cyril, pela janela fechada, vê o pai preparar o prato de almôndegas (quadro dentro do quadro). O efeito sobre o personagem de Renier é o de um aquário: ele se encontra preso ali na cozinha do restaurante executando ações em função do dinheiro. Para isso, adia o contato com o filho. Coloca o amor em segundo plano. Lógica perversa que o menino não compreende.

O PAI

Mais do que julgar Jeremie Renier por ser um mau-caráter ou algo do tipo, é importante que se assimile aquilo que interessa: Renier não tem condições de cuidar de Cyril por que não tem nem mesmo condições de cuidar de si mesmo. Situação exemplar da juventude contemporânea, não muito rara de ser encontrada em homens entre 20 e 40 anos.

O FINAL E A MÚSICA

Se o final não tivesse musica, como costumeiramente acontece nos filmes dos Dardenne, a mensagem de esperança não seria suficientemente enfatizada. Porém, se a música entrasse pela 1ª vez no filme somente ao final, a sensação de catarse, de liberação, de resolução feliz definitiva, trairia o projeto do filme. O uso do mesmo trecho de música desde o início, aparecendo em momentos igualmente distantes metricamente um dos outros, torna a música um refrão de beleza, não necessariamente de felicidade. Logo, o final, apesar de ter um certo ar de vitória, não deixa de ter aquela rica ambigüidade que permite que o filme se complete de maneira aberta. Nem Bem, nem Mal. Nem mais, nem menos. Os Dardenne estão na categoria de cineastas que se aproximam um pouco da vida ao exercerem um auto-controle que busca (e às vezes encontra) as imagens exatas. Tudo no lugar. Coesão total em harmonia com fragmentos de climaxes. Tese moral que não se afasta do Homem. Emoção e secura. Isso é mais raro do que parece.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Outside Satan

Escrevi para o cinequanon sobre o novo Bruno Dumont

(copiar e colar o link)

www.cinequanon.art.br/filmefestival_detalhe34.php?id=671&id_festival=125

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Trabalhar Cansa

O filme possui vários planos que começam com o quadro vazio, como se o espectador devesse observar os espaços antes da ação propriamente dita começar. Ainda (e agora é uma interpretação minha), esse mecanismo, usado repetidas vezes nos espaços principais do filme, materializam em mise-en-scène uma idéia essencial que permeia o filme, idéia esta que talvez seja uma visão de mundo: os personagens são títeres de um jogo (de cartas marcadas), prisioneiros de um sistema, peões que se movem num tabuleiro demasiado fechado. E claustrofóbico.

Duas frases do filme

"A gente coloca uma tela pra disfarçar". Disfarçar, no caso, a sujeira e a ruína sob a qual está erguida a estrutura do supermercado. Por trás dos atraentes produtos, da fachada brilhante e do papai noel que dança feliz, há sujeira, muita sujeira.

"Não brinca com isso, filha, tem muita sujeira". Helena, ao reprimir a filha que brincava com o dinheiro do caixa, dispara a frase que contém o filme em si.

O filme com sua câmera clínica diagnostica a melancolia e a apatia, sintomas detectados (ao modo de um cirurgião, porém um cirurgião pouco invasivo, distanciado, mais clínico) principalmente em uma classe, a média.

(Aliás, que legal assistir um filme que mostra a classe média sem a iluminação "30 refletores por cena" da globo filmes. e também sem a degradação doentia do arnaldo jabor rodriguiano.)

A questão de classe me chamou muita atenção. Por mais que os 3 principais personagens secundários da "classe baixa" estejam de alguma forma oprimidos pela lógica do dinheiro, todos eles possuem momentos de alegria: o rapaz que trabalha para Helena e termina demitido, em certo momento, ao fundo de um plano beija sua namorada (enquanto em primeiro plano o casal classe média está preocupado, sempre preocupado...) . A senhora que trabalha no caixa é uma piriguete animada com o novo "pretendente" com quem está saindo. A empregada doméstica se encanta com o carnaval, e a sua irmã planeja uma pegação com um rapaz. Eles têm tesão. Já o casal da classe média só esboça fazer sexo no momento em que eles conseguem um sucesso voltado ao dinheiro: é quando Helena consegue alugar a loja para abrir o seu negócio.

Portanto, as individualidades estão reprimidas por um mundo guiado pela racionalidade utilitária que não encontra alegria em nada que não leve a "progressos" materiais. (Preocupados, sempre preocupados demais.)

Momento forte: Helena assiste o desfile das escolas de samba na tv ao lado da empregada doméstica. A segunda se encanta. Já a primeira é incapaz de ser alegre, incapaz de se apaixonar, incapaz de amar qualquer coisa de modo puro: já se encontra esgotada pelas preocupações que a lógica capitalista que rege não apenas seu trabalho, mas sua VIDA nos mínimos detalhes, causa em sua mente. Mente exausta, corpo exausto. Mente robótica (inconsciente), corpo autômato. Paralisado. Impotente.

A crueldade do dinheiro chega ao ponto de degradar as relações humanas, e isso fica mais acentuado quando helena grita para otávio "Tá com medo que sua filha ache que você é um bosta? (por não conseguir emprego)". Isso me lembra "L`Argent"(O Dinheiro) e "Le Diable, Probablement" (O Diabo, provavelmente), as obras máximas desesperadas do final da vida de Robert Bresson.

Estilisticamente, o filme é Bresson + Hitchcock + Haneke + Jelinek + um monte de coisa que não conheço. Ao mesmo tempo, tem uma cara própria, a cara de uma parcela da juventude brasileira contemporânea que, no mundo, tal qual ele se encontra, está e sempre estará fora de casa. Ainda assim, essa juventude (a nossa?) é privilegiada (ou não?) por poder, alegremente (o filme tem senso de humor), paralisar o relógio que marcha e criar nesse lapso de tempo uma zona de inconformismo criativo.



sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Juventude em Marcha

Vou falar com desconfiança sobre as marchas, porém não ofereço nada melhor em seu lugar, pois entre ficar no 0 x 0 e fazer gol contra prefiro a primeira opção, até que chegue o momento do jogo em que as condições estejam favoráveis para que meu time consiga fazer um gol chorado.

Flashback: A maior parte dos guerrilheiros que lutaram contra a ditadura brasileira depois tomou consciência de que eles cometeram um erro estratégico. Foi glorioso pegar em armas (e era a glória que movia pessoas como Brizola ou Prestes, eles sabiam que não podiam ganhar), porém nada de positivo foi alcançado. Nem o tempo revelou qual era a verdadeira saída, e o curto período de durabilidade de um ser humano dificulta que este esteja preparado para compreender as coisas de maneira profunda. Em raríssimas vezes a verdade se abre assim, como um relâmpago que rasga a cortina de mentiras na qual vivemos presos, porém já é tarde demais: tal privilégio já encontra o agraciado sem suas forças vitais principais; sem a força mais potente da juventude.


As marchas estão na moda. Assim como todas as modas, devem ser vistas sob olhos críticos, pois modas no geral são assimiladas de forma quase que automática, às vezes sem que o desejo de adesão a ela parta do interior do indivíduo. Ao contrário, as modas costumam vir do exterior, e seu mecanismo de ação não difere muito do binômio "palavras de ordem - ação de acordo com tal ordem", que invariavelmente também envolve o binômio "sujeito que manda - sujeito que obedece".

Existe hoje muito alarde em torno do fenômeno no Egito e da Primavera Líbia, e depois no Chile, e finalmente, a onda chegou ao Brasil. Liberação da Maconha, melhorias na educação, gritos de guerra contra a corrupção. Diferentemente dos casos norte-africanos, falta aqui um ingrediente básico em qualquer tipo de revolta: a violência (não necessariamente física, mas principalmente, ética, mental).

Faz parte da cultura brasileira a tendência a evitar o conflito e o desconforto, pois no país o que impera é a mentalidade da auto-preservação a qualquer custo, mesmo que tal custo seja se abster da responsabilidade sobre as coisas. Tal abstenção não existe sem o desenvolvimento de uma má consciência, uma espécia de "culpa" (um valor católico, e o Brasil ainda é um país católico no que diz respeito a seus valores morais), cujo alívio finalmente pode ser fornecido pela participação nas marchas. É uma forma da pessoa sentir que está contribuindo para a resolução do problema e, mais importante do que isso, "lavar as mãos". "Sou consciente do problema, a culpa não é minha, fiz minha parte e agora estou mandando esse spam para recrutar mais pessoas". Pronto! O sujeito agora sente-se um pouco mais aliviado e acredita que cumpriu seu papel, e é aí que mora o problema: cumprir o papel.

Sempre, em todos os lugares e tempos, populações se manifestaram contra ou a favor disso ou daquilo. Nas raras vezes onde algo foi conseguido "graças ao povo que não consentiu calado", se analisarmos a situação de forma séria (não superficialmente), veremos que o povo nada mais foi do que massa de manobra. Revolução francesa, russa, a recente egípcia: o povo nesses casos pegou em armas, mas isso não quer dizer que ele está no comando. Há sempre a mão invisível que manipula o povo em direção ao que lhe convém, geralmente são futuros líderes insurgidos que, passado o clima inflamado da revolução, se sentam confortavelmente em seus postos de comando e podem desfrutar daquilo que eles realmente almejam: o poder.

A título de exemplo, não podemos nunca esquecer que um político como José Serra passou pela presidência da UNE. Depois, foi o homem da saúde na era fhc. Depois, quis ser presidente do Brasil. Educação, Saúde, Povo Brasileiro: tudo são bandeiras substituíveis no momento em que estas não mais o servem para a sua escalada rumo ao topo; são como adesivos de carro facilmente trocáveis. Carreiristas! Este tipo é um dos mais perigosos. Deve-se, portanto, olhar com desconfiança aqueles que são líderes.

Pois bem, a recente Marcha da Corrupção deve ter sido muito divertida, mas, em termos práticos, é inútil para os fins a que ela se propõe a resolver. Ela é útil apenas para a auto-promoção dos indivíduos que às custas dela angariaram destaque individual. Em todo caso, os políticos corruptos seguem vivendo tranquilamente, como sempre viveram, e desconfio que eles adoram as marchas e assistem a elas em seus camarotes comendo pipoca, pois como comentei no início, o aumento do número de marchas significa menos gente potencialmente perigosa para eles no meio do povo. Às vezes, a arma que nos é oferecida é na verdade o anestésico. Às vezes, o remédio na verdade é veneno.

Quem realmente oferece perigo ao sistema deve, por regra, permanecer fora dele, ou melhor, nas suas margens. Não por opção, mas pela própria natureza do sistema, que não permite que nenhum evento ocorra em seu centro sem que dele possa se beneficiar. Portanto, é necessário que busquemos outros papéis para desempenhar, sejam eles mais ou menos violentos, mais ou menos gloriosos: o que importa é construir ou destruir. Afinal, quem quer reclamar e liga para o SAC acaba descobrindo (tarde demais) que tal departamento existe justamente para oferecer um orelhão para o cliente desabafar e ficar pianinho. Protestar, portanto, não é suficiente. Nunca foi.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Um freela?

Um dia antes de uma sessão na qual eu seria testemunha contra uma empresa onde trabalhei, essa mesma empresa vem me sondar sobre a possibilidade de eu trabalhar para ela em um freela. Fiquei alegre com a lembrança, e torço para que em algum dia a proposta se concretize. Essa é a superfície do caso.

Indo um nível abaixo, é de fato muito curioso o fato de que no período de 1 ano e meio desde a minha saída de lá nunca se lembraram de mim, sequer para desejar feliz páscoa. Logo, sou obrigado a tecer todas as hipóteses sobre os reais motivos da sondagem que recebi:

possibilidade 01 - a empresa realmente precisa de alguém e ela realmente se interessa na minha volta.

possibilidade 02 - a empresa quer mostrar a porta que estou fechando ao ter aceitado testemunhar contra ela, disparando com educação um aviso que vai na linha do moralismo de banca de jornal "nada nesse mundo fica impune"

possibilidade 03 - a empresa estaria tentando me demover da decisão de testemunhar contra ela.

sou obrigado ainda a lamentar a estranha ausência (sem aviso prévio nem satisfações posteriores) da 2a testemunha que nos acompanharia no processo. Porém, de nada posso acusá-lo, pois o pneu do carro dele pode ter furado e o celular pode ter sido roubado, assim como a internet dele pode ter caído para sempre. Espero só que esteja vivo e bem, pois trata-se de uma pessoa por quem tenho uma grande estima.

Existem seres humanos que são compráveis, existem outros que não o são. Não julgo aqueles que o são, apenas lamento o fato de eles levarem muito a sério a intimidação que um objeto simbólico como o dinheiro causa quando nas mãos daqueles que tratam as pessoas como peões. Quem se submete à essa lógica perversa talvez não tenha consciência do poder que as atitudes de exceção possuem ou, simplesmente, preferem o caminho mais cômodo. É mais simples lavar as mãos e se abster ancorado em mentiras como o pragmatismo e a crença na impotência da individualidade perante o conjunto. É essa forma de pensar que é a nossa verdadeira miséria.

Mas enfim, em relação às motivações da sondagem que recebi, nada posso afirmar com convicção, pois seria injusto fazer acusações sem provas. No entanto, na condição de ser humano minimamente pensante, e dotado de um instinto de sobrevivência aprimorado inclusive por conflitos que a própria empresa me convidou a enfrentar na época em que lá estive, naturalmente me vejo obrigado a estar preparado para tudo, mesmo que não haja nada.

Ainda torço para que algum dia essa sondagem se concretize em emprego! Mas nunca é demais reforçar: ninguém me compra. Ninguém.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Realengo e Auschwitz

A mídia estampa nas suas capas uma foto do assassino do Realengo com a seguinte legenda: o perigo mora ao lado. Conclusão a que a mídia quer nos guiar: a culpa do massacre é da loucura advinda de uma subjetividade individual (ah, ele queria ser modelo e atriz mas não conseguiu! Ficou em casa jogando Carmagedon e assistindo Tiros em Columbine!). É psicanalista pra cá, é sociólogo pra lá. Tudo de perninha cruzada e falando bonito.

Com relação ao Holocausto, as escolinhas dizem que Hitler curtia arianos e detestava judeus, comunistas, orientais e negros. A conclusão a que os livrinhos querem nos induzir é a de que a causa do Holocausto era racial, sanguínea, eugênica. As campanhas anti-racistas surjidas no pós 2a guerra e até hoje vigentes com força nas novelas (apenas nas novelas, pois o anti-racismo é antes de tudo uma ficção confortadora) reforçam a idéia politicamente correta de que o racismo e a discriminação são coisas de gente do Mal. Logo, Hitler era mau, muito mau, e o holocausto foi portanto uma loucura inicialmente centralizada em uma sensibilidade individual mas que depois se tornou coletiva.

Pouco se falou do orçamento ridículo que o Estado destina à Educação e à Segurança, algo que, se fosse melhor administrado, poderia ter proporcionado a existência de um ou mais seguranças na porta da escola do Realengo, ou antes, um sistema de educação que verdadeiramente formasse (ao invés de deformar) os cidadãos desde a infância. O assassino do Realengo por matar 13 crianças foi chamado de monstro, mas os donos das grandes redes de mídia, que difundem falsos valores inatingíveis para 90% da população mundial (gerando frustração e revolta) não o foram, apenas porque eles não apertaram o gatilho. Pouco se falou que a concentração desigual de renda é uma das causas que leva o indivíduo a se revoltar, mas muito se falou que a revolta é errada. A revolta é colocada como algo anti natural e fruto de doença mental, e nunca como consequencia natural de um sistema cruel e opressor. Eles querem continuar a dominar e esculhambar sem resistencia, querem vencer por W.O., sem suar a camisa.

Pouco se fala de que Hitler foi financiado pelos Rothschild (banqueiros JUDEUS donos do FMI e detentores de 50% do dinheiro mundial) com uma finalidade: o controle do pedaço de terra atualmente conhecido como Israel, território fundamental para o domínio do petróleo do Oriente Médio.

Tudo está escondido atrás de uma cortina de fumaça tecida com subjetivações individualistas e ideologias de plástico. Vai demorar, mas a fumaça vai baixar.

terça-feira, 29 de março de 2011

Paulo Emílio, Eisenstein e a Baixa Augusta

Li 2 textos de Paulo Emílio recentemente: um sobre eisenstein e outro sobre "cinema e prostituição". Não quero resumir as idéias ali contidas em poucas linhas, pois isso seria um trabalho de "resenha" desnecessário ao mundo e que em todo caso ficaria mal feito, dada a dinâmica de rapidez que pauta a escrita de um blog como esse aqui.

Mas quero deixar registrado UMA coisa que apreendi da leitura dos 2 textos: o ir ao cinema tem a mesma natureza de uma ida a um puteiro.

No texto sobre o mestre russo, Paulo Emílio compara "O Encouraçado Potenkin" a "Outubro". Ele deixa claro que se trata de duas obras máximas do cinema, portanto, a comparação não é valorativa, mas sim, qualitativa (sobre natureza, características).

Potenkin satisfaz as necessidades da maioria dos espectadores médios.

Outubro vira o jogo e exige destes mesmos espectadores uma postura à qual eles não estão habituados: ele desafia o espectador.

Num puteiro, seria como o cara entrar lá e, de repente, vê-se frente à frente a uma puta que exige muito dele, cliente, que está pagando pelo programa. Até acontece, mas vai contra a natureza do puteiro, certo?

Assim é com o cinema; vez ou outra surgem filmes que exigem muito do espectador, mas o fato é que a maioria não vê no cinema uma chance de elevação, mas apenas de simples descarga emocional instantânea, anônima e ficcional. Responsabilidade dos cineastas e da burguesia conservadora da qual a maioria descende, e não dos espectadores, que apesar das confortáveis poltronas e do ar condicionado são na verdade vistos como gado pelos donos do sistema e seus lacaios.

Cito Júlio Bressane quando, numa entrevista, disse que "os filmes antes estavam acima do espectador, e cabia a ele o desejo de subir, se aprimorar; hoje, os filmes desceram ao nível do espectador, e por vezes se colocam até abaixo dele!".

Antes de começar um filme, um cineasta deveria se perguntar: "sou uma putinha relaxada ou vamo faze direito esse bagulho?".

quinta-feira, 24 de março de 2011

Na contramão

o cinema, assim como quase todas as outras áreas, é um terreno infértil em gerar produtos verdadeiramente bons. No entanto, ele possui peculiaridades que o distancia de 90% das profissões ao mesmo tempo em que o aproxima das 10 % restantes (consideradas profissões instáveis e perigosas).

Medicina, por exemplo - e isso para pegar uma profissão já devidamente canonizada - possui uma trajetória mais previsível, ainda que obviamente sempre aberta a desvios. Dependendo da formação e da classe social do indivíduo recém-formado, pode-se prever sem dificuldades que o dinheiro pode não abundar, mas com certeza não faltará, e que um bom trabalho também não tardará muito a aparecer. Claro que, ao contrário do que a grande mídia quer nos fazer acreditar, a maioria dos médicos ganha mal e trabalha muito, assim como a maior parte dos jogadores de futebol (99,9%, no caso dos jogadores).

No cinema, alguns técnicos da velha guarda e TODOS os cursos que pipocam por aí querem fazer crer que existe um caminho canonizado: aquele de começar nas assistências e perder a saúde da melhor juventude nos sets, para somente "aos 40" (força de expressão) subir de posição e virar cabeça de equipe. Na prática, felizmente isso não é verdade, cabendo a escolha de tal caminho somente a alguém ingênuo demais ou com talento de menos.

Criativamente (e esse é o ponto que mais me interessa), o cinema é muito diferente de todas as outras artes. Na música, os exemplos reais nos mostram que o auge da carreira se dá no início, entre os 18 e os 28. Fora os ídolos mortos precocemente e as bandas que cedo encontram o fim, os grupos que têm uma carreira mais duradoura podem até se reinventar, transmutar, trocar de membros, ou simplesmente continuar a fazer a mesma coisa que sempre será seguramente vendável. No entanto, os melhores discos - que chamarei genericamente de "POPs" (que é o que a maioria de nós ouve) - são feitos por jovens. Assim como poemas literários. Grandes poetas geralmente fizeram o melhor da sua obra até os 25.

Música e poesia têm a ver com cinema. Principalmente com o cinema arrojado, de vanguarda. Não é à toa que as melhores músicas, os melhores poemas e os melhores filmes experimentais foram feitos por pessoas muito jovens. Muito imaturas. Mas cuja pouca maturidade vira qualidade justamente no momento em que ela se torna ímpeto incontrolável e por vezes desmedido de plena expressão, com altas doses de sinceridade e forte desejo de renovação: a curiosidade pela vida e pelo mundo é um dos fatores que torna a pessoa jovem, e a perda dela, independente da idade biológica, faz a pessoa adentrar o início da velhice.

Música jovem, poesia e cinema experimental se fazem de excessos. O desrespeito a certos limites é condição fundamental para a criação de tais formas de expressão.

Agora, pensemos na música madura, no romance de 600 páginas e no filme dito tradicional (longa metragem, narrativo, etc). As melhores obras dessas modalidades surgem de pessoas acima dos 40, 50. A maturidade traz a ordem, o melhor domínio e o melhor controle. Principalmente nos romances e nos longas narrativos, é necessário uma mente muito sólida e coerente para que a obra não se perca em desarmonia. Os jovens, por pensarem em muitas coisas, por sentirem muitas coisas, por desejarem muitas coisas ainda, tendem à instabilidade e à perda de foco. Portanto, a dissonância formal é mais recorrente nos jovens. Ela dificilmente é reiterada pelos mais sábios (júlio bressane é único), uma vez que o sábio não tem necessidade de destruição, mas sim, de construção.

Por fim, o que difere o cinema do romance é que para escrever 600 belas páginas você pode se isolar durante 3 anos em uma caverna, enquanto para se fazer um belo longa é necessária uma alta dose de saúde física (fazer um filme é um ato físico) e uma grande disposição em viver (o cinema se faz coletivamente, com pessoas reais). A Literatura favorece ao artista que abandona a vida para criar. No cinema, essa opção simplesmente não existe. Por isso, são poucos os grandes filmes feitos até hoje: poucos são os que envelhecem com saúde e disposição.

Em cinema, os filmes mais interessantes vêm dos jovens, mas as obras máximas, os filmes verdadeiramente influentes exigem uma maturidade que só é alcançada no exato momento em que aqueles amigos do colégio que se direcionaram para outras áreas profissionais já começam a entrar em declínio e estão pensando mais no fgts acumulado do que em correr qualquer tipo de risco. É por isso que filmar, por vários aspectos mas também por este aqui discutido, pode ser um potente ato que vai na contramão da sociedade produtiva atual - ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, agrega e aprimora essa mesma sociedade cuja lógica dificulta a prática do bom cinema.


domingo, 13 de março de 2011

Os filmes e a tal da "Vida"

Nos comentários e críticas cinematográficas, existe um termo que pipoca a rodo: vida. Eu entendo que ele pipoca a rodo e sem muito critério. Uma facilidade calcada em um termo nobre que protege seu eventual emissor de ataques, dada a "alta nobreza" do termo.

Ao falar de um filme, o que seria o termo "vida", o que seria isso??? nunca entendi o uso dessa palavra em cinema, uma vez que o objeto filme, por si só, já é morto, pois é fotografia.

No fundo, o termo "vida", ou melhor, a conotação positiva e nobre que este termo assume nos dias de hoje, simboliza também o triunfo do "desejo de realismo" no cinema. "Tudo que seja o mais próximo possível do real tem que estar ígualmente o mais perto possível da vida". Se for assim, ou todos os filmes têm vida ou nenhum o tem, depende apenas do fato de aceitarmos o tal do "realismo" como algo dado ou não, como algo natural ou artificial, e não como mais uma opção estética entre outras. Não é de estética que se fala, mas de algo anterior, de uma concepção sobre a função da arte, de uma idéia de que o cinema pode e deve ser uma ilusão perfeita de nós: necessidade de reflexo (embalsamento, mumificação, pinturas renascentistas).

Lembremos que a câmera de cinema é objeto renascentista por excelência (perspectiva monocular no retângulo, simetria e equilíbrio). Temos de lembrar também de qual classe social o renascentismo deriva, e em qual classe social hoje ela se perpetua. À tal classe (que além de social é principalmente mental) interessa que os filmes, por trazerem à luz alguma vida que não se acha fora deles, funcionem como compensadores da vida "real". Daí o grande efeito (nem sempre intencional por parte do emissor, claro) do uso do termo "vida": a valorização de um cinema redentor, que não deixa de ser, em suma, um cinema anestésico.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Dinâmica do RG no cinema

Vc trabalha muito e ganha pouco em função de ter menos de 30 anos. Como promessa, a experiência e os contatos. "mamãe, eu trabalho com fulano!"

Depois dos 30, você abre sua produtora e começa a pagar pouco pra gente nova que trabalha muito, prometendo pra galerinha experiência e contatos. "jovem, você tem muito o que aprender"

No topo dessa pirâmide impera o medo. O temor de que alguém, em algum lugar, esteja conspirando para tomar o seu posto. Criam-se então suas defesas, que se baseiam fundamentalmente num escudo criado com base nas regras generalistas. Para que alguém venha a vingar, é necessário que siga as regras com obediência e dedicação exemplar. Quem não respeita as normas vigentes está condenado à permanecer na margem, pois a função da regra é anular a exceção. Exceções são perigosas, potencialmente danosas à estabilidade de um sistema onde impera um pacto tácito de mútua condenscendência ("somos fodas, fazemos cinema!").

É necessário destruir essa hierarquia. Inventar novos regimes de produção que não se baseiem na dominação assegurada pela data de nascimento que consta no RG, nem na falsa demonstração de poder simulada pela posse dos meios técnicos (ilhas de edição, câmeras full HD): um regime que se baseie no talento, na amizade e na hostilidade.

Precisamos exorcisar de nós a ilusão (forjada fora de nós com o objetivo programático de nos tornar seres satisfeitos com pouco) de que necessariamente precisamos entrar em um reino de papelão pela porta da frente.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Matemática aplicada

Pode jogar a taça das Bolinha no lixo, a taça é feia e tem nome de prêmio de gincana infantil.

Ric teixeira, atualmente mais influente no aspecto emocional do país do que a Dilma (afinal, ele manda no futebol), seguiu a risca o conselho de Sun Tzu em "A Arte da Guerra": "Se você quer vencer o inimigo, separe-o".

O véio esperou (quiça, mandou) a Caixa entregar as bolinhas no Morumbi antes de reconhecer o hexa do Fla. São Paulo e Flamengo, antes poderosos aliados anti-teixeira, agora estão de mau.

A SUBTRAÇÃO fortalece, a SOMA preenche lacunas, a MULTIPLICAÇÃO é indício de fertilidade. Já DIVISÃO tende sempre a causar implosão interna.

A divisão enfraquece, quem está dividido está mais fraco.

Blog

Nada haverá de causos cotidianos referentes à minha pessoa, tampouco limitação de assuntos por categorias: o blog vai ser uma bagunça enorme.