terça-feira, 29 de março de 2011

Paulo Emílio, Eisenstein e a Baixa Augusta

Li 2 textos de Paulo Emílio recentemente: um sobre eisenstein e outro sobre "cinema e prostituição". Não quero resumir as idéias ali contidas em poucas linhas, pois isso seria um trabalho de "resenha" desnecessário ao mundo e que em todo caso ficaria mal feito, dada a dinâmica de rapidez que pauta a escrita de um blog como esse aqui.

Mas quero deixar registrado UMA coisa que apreendi da leitura dos 2 textos: o ir ao cinema tem a mesma natureza de uma ida a um puteiro.

No texto sobre o mestre russo, Paulo Emílio compara "O Encouraçado Potenkin" a "Outubro". Ele deixa claro que se trata de duas obras máximas do cinema, portanto, a comparação não é valorativa, mas sim, qualitativa (sobre natureza, características).

Potenkin satisfaz as necessidades da maioria dos espectadores médios.

Outubro vira o jogo e exige destes mesmos espectadores uma postura à qual eles não estão habituados: ele desafia o espectador.

Num puteiro, seria como o cara entrar lá e, de repente, vê-se frente à frente a uma puta que exige muito dele, cliente, que está pagando pelo programa. Até acontece, mas vai contra a natureza do puteiro, certo?

Assim é com o cinema; vez ou outra surgem filmes que exigem muito do espectador, mas o fato é que a maioria não vê no cinema uma chance de elevação, mas apenas de simples descarga emocional instantânea, anônima e ficcional. Responsabilidade dos cineastas e da burguesia conservadora da qual a maioria descende, e não dos espectadores, que apesar das confortáveis poltronas e do ar condicionado são na verdade vistos como gado pelos donos do sistema e seus lacaios.

Cito Júlio Bressane quando, numa entrevista, disse que "os filmes antes estavam acima do espectador, e cabia a ele o desejo de subir, se aprimorar; hoje, os filmes desceram ao nível do espectador, e por vezes se colocam até abaixo dele!".

Antes de começar um filme, um cineasta deveria se perguntar: "sou uma putinha relaxada ou vamo faze direito esse bagulho?".

quinta-feira, 24 de março de 2011

Na contramão

o cinema, assim como quase todas as outras áreas, é um terreno infértil em gerar produtos verdadeiramente bons. No entanto, ele possui peculiaridades que o distancia de 90% das profissões ao mesmo tempo em que o aproxima das 10 % restantes (consideradas profissões instáveis e perigosas).

Medicina, por exemplo - e isso para pegar uma profissão já devidamente canonizada - possui uma trajetória mais previsível, ainda que obviamente sempre aberta a desvios. Dependendo da formação e da classe social do indivíduo recém-formado, pode-se prever sem dificuldades que o dinheiro pode não abundar, mas com certeza não faltará, e que um bom trabalho também não tardará muito a aparecer. Claro que, ao contrário do que a grande mídia quer nos fazer acreditar, a maioria dos médicos ganha mal e trabalha muito, assim como a maior parte dos jogadores de futebol (99,9%, no caso dos jogadores).

No cinema, alguns técnicos da velha guarda e TODOS os cursos que pipocam por aí querem fazer crer que existe um caminho canonizado: aquele de começar nas assistências e perder a saúde da melhor juventude nos sets, para somente "aos 40" (força de expressão) subir de posição e virar cabeça de equipe. Na prática, felizmente isso não é verdade, cabendo a escolha de tal caminho somente a alguém ingênuo demais ou com talento de menos.

Criativamente (e esse é o ponto que mais me interessa), o cinema é muito diferente de todas as outras artes. Na música, os exemplos reais nos mostram que o auge da carreira se dá no início, entre os 18 e os 28. Fora os ídolos mortos precocemente e as bandas que cedo encontram o fim, os grupos que têm uma carreira mais duradoura podem até se reinventar, transmutar, trocar de membros, ou simplesmente continuar a fazer a mesma coisa que sempre será seguramente vendável. No entanto, os melhores discos - que chamarei genericamente de "POPs" (que é o que a maioria de nós ouve) - são feitos por jovens. Assim como poemas literários. Grandes poetas geralmente fizeram o melhor da sua obra até os 25.

Música e poesia têm a ver com cinema. Principalmente com o cinema arrojado, de vanguarda. Não é à toa que as melhores músicas, os melhores poemas e os melhores filmes experimentais foram feitos por pessoas muito jovens. Muito imaturas. Mas cuja pouca maturidade vira qualidade justamente no momento em que ela se torna ímpeto incontrolável e por vezes desmedido de plena expressão, com altas doses de sinceridade e forte desejo de renovação: a curiosidade pela vida e pelo mundo é um dos fatores que torna a pessoa jovem, e a perda dela, independente da idade biológica, faz a pessoa adentrar o início da velhice.

Música jovem, poesia e cinema experimental se fazem de excessos. O desrespeito a certos limites é condição fundamental para a criação de tais formas de expressão.

Agora, pensemos na música madura, no romance de 600 páginas e no filme dito tradicional (longa metragem, narrativo, etc). As melhores obras dessas modalidades surgem de pessoas acima dos 40, 50. A maturidade traz a ordem, o melhor domínio e o melhor controle. Principalmente nos romances e nos longas narrativos, é necessário uma mente muito sólida e coerente para que a obra não se perca em desarmonia. Os jovens, por pensarem em muitas coisas, por sentirem muitas coisas, por desejarem muitas coisas ainda, tendem à instabilidade e à perda de foco. Portanto, a dissonância formal é mais recorrente nos jovens. Ela dificilmente é reiterada pelos mais sábios (júlio bressane é único), uma vez que o sábio não tem necessidade de destruição, mas sim, de construção.

Por fim, o que difere o cinema do romance é que para escrever 600 belas páginas você pode se isolar durante 3 anos em uma caverna, enquanto para se fazer um belo longa é necessária uma alta dose de saúde física (fazer um filme é um ato físico) e uma grande disposição em viver (o cinema se faz coletivamente, com pessoas reais). A Literatura favorece ao artista que abandona a vida para criar. No cinema, essa opção simplesmente não existe. Por isso, são poucos os grandes filmes feitos até hoje: poucos são os que envelhecem com saúde e disposição.

Em cinema, os filmes mais interessantes vêm dos jovens, mas as obras máximas, os filmes verdadeiramente influentes exigem uma maturidade que só é alcançada no exato momento em que aqueles amigos do colégio que se direcionaram para outras áreas profissionais já começam a entrar em declínio e estão pensando mais no fgts acumulado do que em correr qualquer tipo de risco. É por isso que filmar, por vários aspectos mas também por este aqui discutido, pode ser um potente ato que vai na contramão da sociedade produtiva atual - ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, agrega e aprimora essa mesma sociedade cuja lógica dificulta a prática do bom cinema.


domingo, 13 de março de 2011

Os filmes e a tal da "Vida"

Nos comentários e críticas cinematográficas, existe um termo que pipoca a rodo: vida. Eu entendo que ele pipoca a rodo e sem muito critério. Uma facilidade calcada em um termo nobre que protege seu eventual emissor de ataques, dada a "alta nobreza" do termo.

Ao falar de um filme, o que seria o termo "vida", o que seria isso??? nunca entendi o uso dessa palavra em cinema, uma vez que o objeto filme, por si só, já é morto, pois é fotografia.

No fundo, o termo "vida", ou melhor, a conotação positiva e nobre que este termo assume nos dias de hoje, simboliza também o triunfo do "desejo de realismo" no cinema. "Tudo que seja o mais próximo possível do real tem que estar ígualmente o mais perto possível da vida". Se for assim, ou todos os filmes têm vida ou nenhum o tem, depende apenas do fato de aceitarmos o tal do "realismo" como algo dado ou não, como algo natural ou artificial, e não como mais uma opção estética entre outras. Não é de estética que se fala, mas de algo anterior, de uma concepção sobre a função da arte, de uma idéia de que o cinema pode e deve ser uma ilusão perfeita de nós: necessidade de reflexo (embalsamento, mumificação, pinturas renascentistas).

Lembremos que a câmera de cinema é objeto renascentista por excelência (perspectiva monocular no retângulo, simetria e equilíbrio). Temos de lembrar também de qual classe social o renascentismo deriva, e em qual classe social hoje ela se perpetua. À tal classe (que além de social é principalmente mental) interessa que os filmes, por trazerem à luz alguma vida que não se acha fora deles, funcionem como compensadores da vida "real". Daí o grande efeito (nem sempre intencional por parte do emissor, claro) do uso do termo "vida": a valorização de um cinema redentor, que não deixa de ser, em suma, um cinema anestésico.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Dinâmica do RG no cinema

Vc trabalha muito e ganha pouco em função de ter menos de 30 anos. Como promessa, a experiência e os contatos. "mamãe, eu trabalho com fulano!"

Depois dos 30, você abre sua produtora e começa a pagar pouco pra gente nova que trabalha muito, prometendo pra galerinha experiência e contatos. "jovem, você tem muito o que aprender"

No topo dessa pirâmide impera o medo. O temor de que alguém, em algum lugar, esteja conspirando para tomar o seu posto. Criam-se então suas defesas, que se baseiam fundamentalmente num escudo criado com base nas regras generalistas. Para que alguém venha a vingar, é necessário que siga as regras com obediência e dedicação exemplar. Quem não respeita as normas vigentes está condenado à permanecer na margem, pois a função da regra é anular a exceção. Exceções são perigosas, potencialmente danosas à estabilidade de um sistema onde impera um pacto tácito de mútua condenscendência ("somos fodas, fazemos cinema!").

É necessário destruir essa hierarquia. Inventar novos regimes de produção que não se baseiem na dominação assegurada pela data de nascimento que consta no RG, nem na falsa demonstração de poder simulada pela posse dos meios técnicos (ilhas de edição, câmeras full HD): um regime que se baseie no talento, na amizade e na hostilidade.

Precisamos exorcisar de nós a ilusão (forjada fora de nós com o objetivo programático de nos tornar seres satisfeitos com pouco) de que necessariamente precisamos entrar em um reino de papelão pela porta da frente.