A RESISTÊNCIA
Quando Cyril fere a cabeleireira com a tesoura e foge, a mulher fica só e explode em choro. Se o filme fosse um melodrama clássico, o corte seria feito aí, em cima do choro. Como não é, a cena se extende até tomar uma nova forma: ela segura o choro para voltar ao estado de sensatez que permitirá a ela ser capaz de usar o telefone para entrar em contato com autoridades. Demonstração de auto - controle sobre-humano.
Da mesma forma, Cyril, quando todos o tomavam como morto, se levanta, ressurge e simplesmente dá prosseguimento a aquilo que ele planejava fazer antes de ser atacado por Martin: mesmo fatigado, mesmo após quase ter morrido, ele vai levar o carvão para o churrasco da sua “nova família”.
Seres humanos dotados de forças supra-humanas.
A NOVA FAMÍLIA
A propósito, Jean Michel Frodón escreveu a um tempo atrás um artigo intitulado “Familie Politique”, no qual constatava em um conjunto de filmes franceses contemporâneos um certo movimento comum a todos eles: a substituição da família tradicional (sanguínea) pelo estabelecimento de novos laços afetivos.
“Reis e Rainha” (Desplechin), “Água Fria” e “Horas de Verão” (Assayas), “O Filho” e “A Criança” (Dardenne).
A DIREÇÃO DOS OLHARES
Em vários momentos, eventos adultos como sexo e trabalho são observados pelo olhar puro de Cyril. Mas existem momentos em que esse olhar infantil sobre os adultos é conjugado com um uso sagaz do espaço cênico: é o restaurante onde o pai dele (Jeremie Renier) trabalha. O filho, pendurado na janela pelo lado de fora, chama o pai, que o atende. No entanto, a dona do restaurante chama o pai, “Guy, um prato de almôndegas!”, e ele deixa o filho esperando do lado de fora para executar o pedido. Cyril, pela janela fechada, vê o pai preparar o prato de almôndegas (quadro dentro do quadro). O efeito sobre o personagem de Renier é o de um aquário: ele se encontra preso ali na cozinha do restaurante executando ações em função do dinheiro. Para isso, adia o contato com o filho. Coloca o amor em segundo plano. Lógica perversa que o menino não compreende.
O PAI
Mais do que julgar Jeremie Renier por ser um mau-caráter ou algo do tipo, é importante que se assimile aquilo que interessa: Renier não tem condições de cuidar de Cyril por que não tem nem mesmo condições de cuidar de si mesmo. Situação exemplar da juventude contemporânea, não muito rara de ser encontrada em homens entre 20 e 40 anos.
O FINAL E A MÚSICA
Se o final não tivesse musica, como costumeiramente acontece nos filmes dos Dardenne, a mensagem de esperança não seria suficientemente enfatizada. Porém, se a música entrasse pela 1ª vez no filme somente ao final, a sensação de catarse, de liberação, de resolução feliz definitiva, trairia o projeto do filme. O uso do mesmo trecho de música desde o início, aparecendo em momentos igualmente distantes metricamente um dos outros, torna a música um refrão de beleza, não necessariamente de felicidade. Logo, o final, apesar de ter um certo ar de vitória, não deixa de ter aquela rica ambigüidade que permite que o filme se complete de maneira aberta. Nem Bem, nem Mal. Nem mais, nem menos. Os Dardenne estão na categoria de cineastas que se aproximam um pouco da vida ao exercerem um auto-controle que busca (e às vezes encontra) as imagens exatas. Tudo no lugar. Coesão total em harmonia com fragmentos de climaxes. Tese moral que não se afasta do Homem. Emoção e secura. Isso é mais raro do que parece.
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ResponderExcluirFernando, está muito bem escrito, mas você acha que não houve um grande sentimento de luta inerente ao filme? Poderia inserí-lo ou sugerir no texto?
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