segunda-feira, 6 de maio de 2013

A Criadora

Esse era o título original do projeto de filme quando este ainda não havia sido feito. O homônimo de Bruno Nuytten, também grande, transborda em emoção, mas a versão de Bruno Dumont, ao resistir à emoção, cria a verdadeira emoção. Amassando os efeitos cinematográficos, encontra alguma verdade humana, raríssima de se ver em cinema. 

Isabelle Adjani se impõe no filme de 88 por sua beleza que agride e, tragicamente, após a separação do marido, caiu em depressão e nunca mais voltou a viver, assim como a sua personagem, a ex-mulher de Rodin, que termina seus dias em estado de paranóia e solidão, abandonada pela gente normal que, com todo o direito, não aceita conviver com uma personalidade problemática que os machuca. 

Hoje, a grande desenhista encontra em Juliette Binoche sua versão mais profunda. Binoche, monstruosa em cena, não usa maquiagem.

"São poucos os que resistem ao perigo da vocação criativa", diz Paul Claudel, perto do final. Ela sucumbe à vida, assim como Van Gogh, morreu sem ser devidamente reconhecida e tendo parte da sua produção contrabandeada por urubus, "aqueles que, castrados de qualquer espécie de imaginação e oprimidos pela pobreza de espírito geral buscam iluminação sugando o sangue daqueles que criam, aproveitando-se da eventual fraqueza destes", segunda ela.

Essa mulher que fracassou na sua vida individual e que tem sua fama póstuma diminuída por estar sempre colocada à sombra de Rodin, mas que deixou para nós, sem nada receber em troca, seu enorme talento.

Um filme que nos dá de novo aquela sensação de que fazemos parte de um todo muito maior do que nós mesmos: esse filme se chama "Camille Claudel 1915".



   

terça-feira, 26 de março de 2013

A Hora mais Escura


Por um lado, é um grande filme, cinematograficamente falando. Eu acho que a Jéssica Chastain está fantástica nesse filme, e a direção da sra. Bigelow é ótima como sempre, injetando um pouco de virilidade no oscar.

Mas bem, me lembrei que um dia tive o privilégio de ver um debate onde estavam presentes a Maria Rosário Caetano e o Luiz Zanin, da folha - figura que tem reputação em São Paulo de ser um crítico com bom senso.

Pois bem, a Rosário, conhecida amiga e admiradora do Bernardet, citou o velho amigo em meio ao debate que estava rolando.

Ela disse algo como: [Uma vez, em um festival no nordeste, na mesa de debate estavam o Zanin e o Jean-Claude. O Zanin foi o primeiro a dar sua opinião sobre um filme que estava na competição, e ao chegar a vez de Jean-Claude, o franco-brasileiro provocou Zanin ao criticar a análise que o segundo estava fazendo sobre o filme: "Zanin, você fala que o filme tem isso de ruim, mas por outro lado tem isso de bom... é sempre isso, porém também aquilo... Zanin, tem que falar que o filme é horroroso e pronto!". O Jean-Claude não alivia. Fala na lata! Coisa de europeu.]. A memória pode trair, e com certeza não foi exatamente isso que ela falou, mas o sentido da coisa está preservado. Ela queria dizer que a postura de Jean Claude enquanto crítico é a de nunca contemporizar as coisas. Realmente, mentalidade européia. Nós, brasileiros, temos dificuldades em lidar com críticas e discordâncias. É algo cultural, e que tem um peso decisivo na forma com que alguns críticos se comportam ao comentar alguns filmes.

Eu achei tudo um pouco cômico dadas as circunstâncias, mas enfim, eu não quero ficar discutindo esse episódio em si. O fato é que a memória resgatou de maneira imprevisível esta lembrança quando agora há pouco eu estava em dúvida sobre o "A Hora mais Escura", que conheci com grande atraso.

Por um lado gostei muito do grande cinema que ele é, de deleitar os olhos e os sentidos. No entanto, não posso perdoar um filme que fala sobre a captura de Osama Bin Laden que nem sequer coloca em questão a veracidade toda deste episódio. É sabido hoje que nunca houve provas confiáveis de que ele realmente morreu na data que os EUA anunciaram. Parte da imprenssa oriental (sim, ela existe e é bem diferente da nossa) cansou de denunciar esta farsa, coletando inúmeros indícios de fraude. Osama teria morrido em 2001, mas a sua "sobre-vida" de 10 anos dada pelos EUA seria apenas para manter viva a mais forte justificativa da tal "guerra ao terror" que os EUA empreenderam no Oriente Médio nos últimos dez anos. O que eles fizeram lá, todo mundo viu. Invadiram território alheio, nunca acharam bomba nuclear nenhuma (e mesmo se achassem, qual o problema? Eles têm as deles...) e assassinaram milhares de civis e políticos.

Mas bem, também não quero me alongar nos meandros dessa complicada política mundial de cujas motivações e planos a gente não tem nem idéia. Apenas gostaria de dizer algo que é um fato, concorde-se ou não com ele: ao realizar um filme sobre a captura de Bin Laden desta fomra, parte-se da premissa de que esta história foi verdadeira. Enquanto isso, viu-se muita discussão (principalmente nos jornais americanos) sobre a questão do filme referendar ou não a prática da tortura enquanto métido de coleta de informações. Bem coisa de americano conservador mesmo achar que, em algum momento, mostrar tortura em um filme significa necessariamente concordar com ela. Confundem citação/descrição com adesão automática por parte do autor em relação a aquilo que é citado/descrito. A Hora Mais Escura, claramente, não se posiciona ao lado da prática da Tortura.

Uma boa escolha do filme é priorizar ver o lado humano em meio à uma guerra que é ruim para todos. Porém, isso não deixa de lembrar o Spielberg de "Munich" e seu lema "os assassinos secretos judeus sofriam crises de culpa, coitadinhos". Claro que a abordagem de Spielberg é muito diferente da de Bigelow - e acho que posso estar forçando a barra ao compará-los desta forma. Mais certo dizer que ambos tentaram, cada qual à sua maneira, filmar os conflitos interiores de pessoas envolvidas diretamente nesses grandes eventos políticos violentos. Como o ser humano convive com a sua crueldade e impulsos assassinos latentes? A abordagem dela é mais "justa" pois capta melhor tais conflitos interiores tentando sempre evitar qualquer espécie de maniqueísmo (que por sua vez é desejada a todo custo pelo diretor de "Munich"). No entanto, apesar de interessante, a abordagem focada no comportamento emocional da agente assassina da CIA, Maya, acaba deixando de fora um comentário sobre a verdade ou não dos motivos que a levaram até lá. Penso que é natural que um filme de Katrhryn Bigelow seja assim. Seus filmes costumam acompanhar pessoas e grupos de pessoas envolvidos em uma missão. E no que ela faz, ela é muito boa. Ainda, estou ciente de que eu estou criticando algo que o filme não é, como se eu estivesse falando de um outro filme. Ao mesmo tempo, o que ele deixa de fora não pode ser completamente ignorado, pois se o enquadramento é a arte do recorte, é também relevante buscarmos ver o que o filme deixa de fora (o cinema é muito rico também por isso). 

O filme até deixa uma pequena margem para que o corpo que Jessica reconhece ao final não seja o de Bin Laden, pois ela ja havia demonstrado sinais de esgotamento, e seu desespero para que aquilo tudo acabasse rápido e sua sede de sucesso e vingança eram tão fortes que ela facilmente poderia somente ter "visto aquilo que ela queria ver", uma vez que o rosto do corpo estava parcialmente desfigurado devido aos tiros. Ainda, na fabulosa cena da invasão final, uma menina local diz que o homem morto tinha outro nome, mas isso é um momento muito rápido e em torno dele existe um caos que não nos permite fixar a devida atenção a tal "detalhe".

É inútil discutir conspirações ou não conspirações. Todo mundo acredita no que quer. O que não devemos perder de vista é que esse novo filme da Sra. Bigelow deve ser visto com um distanciamento, com bastante recuo, pois ele é um produto político do imperialismo americano sim, mesmo que o critique em alguns pontos (e o faz com uma ironia sofisticada). Não é que o filme deva ser condenado por isso, ao contrário, cinema é legal por isso, a gente pode ter contato com todas as formas de pensamento e ideologias. De qualquer forma, dei bola preta no quadro da Interlúdio.

 

sábado, 26 de janeiro de 2013

Projetos

             É ridículo falar em "projetos", pois eles não são realidade e correm sempre altíssimo risco de miarem. O fato é que há um ano tenho trabalhado um pouco mais seriamente em pelo menos 3 roteiros, a maioria na verdade servindo como um exercício de auto conhecimento.

- A Esperança, sobre o japonês no Brasil
- A Musa do Pintor, uma espécie de continuação do Danças
- Lígia (co-escrita com o mentor da idéia, Peter)
- Um cara com atraso mental, sem título ainda porque ainda sem substância, sem essência.

O segundo e o quarto são duas versões da mesma história, então se um rolar o outro morre. Vai depender das circunstâncias se um desses quatro, pelo menos, vai ser feito. Se aparecer outra coisa mais pronta engaveto tudo sem dó. Por enquanto não estou satisfeito com nenhum, não sou bom roteirista, e pra fazer alguma parceria eu sei que tenho que ter, no mínimo, um primeiro tratamento consistente. Mas sei que quando a hora chegar o negócio me domina como uma febre e eu não vou conseguir nem ter o direito de escapar.  

Da violência não física

              Em virtude da minha enorme ignorância em relação à cultura japonesa, eu, já faz um tempo, tenho me disposto a estudá-la um pouco. As obras mais conhecidas e acessíveis geralmente versam sobre temas como os "corações sujos" da época da segunda guerra ou sobre o magnífico espírito de luta dos primeiros imigrantes. Algumas poucas são mais corajosas e tratam de temas como o "Perigo amarelo", a cultura escravocrata dos grandes donos de terra paulistas, a xenofobia varguista, enfim, são obras (ou estudos) que buscam compreender o conflito étnico (RESIDUAL, TRANSFORMADO E ATUANTE ATÉ HOJE). Infelizmente 90% dessas obras terminam mais ou menos assim "mas hoje tudo isso foi superado...". Decepção enorme quando encontro coisas como "hoje as relações entre Brasil e Japão são das mais saudáveis, uma vez que os japoneses estão intressados no biodísel brazuca enquanto os brasileiros são fascinados pela tecnologia de ponta japonesa".

            Existem poucas obras que busquem os EFEITOS de todo esse passado conflituoso. É preciso muita perspicácia para ser capaz de enxergar as novas roupas de velhos problemas. Valoriza-se demais o passado como uma espécie de museu nobre para a boa consciência em detrimento do presente, que é aonde este passado está instalado subterraneamente, agindo sem cessar, MATERIALIZANDO-SE.

           Exemplo a ser observado (mas jamais seguido) é uma parte da obra da Adriana Varejão, que busca condensar em suas obras o aspecto violento e irreparável da colonização portuguesa no Brasil. Seus azulejos de cozinha que sangram causam uma forte impressão.    

           A violência não física está na maior parte das vezes camuflada aos nossos olhos cegos. Que tais tentativas de quebrar o tabu sejam por vezes encaradas  como um ato cínico é um problema falso - pois ninguém sabe o que é o cinismo de fato.

          Um grande perigo: se assemelhar com a condescendência de alguns movimentos de arte dedicados às etnias marginalizadas. São eles alguns movimentos de cinema negro e a maior parte de filmes sobre deficiência. São teses ilustradas, intelectualmente justificadas e cheias de boas intenções. São nulos.

          É necessário deixar de lado noções hipócritas contemporâneas como "tolerância" e "integração". É necessário, por ora, esquecer a História (enquanto disciplina acadêmica factual). Sociologia então, que passe bem longe. Tchau Darwin e Zizek, quer dizer, para este segundo, um até logo. Ironia e sátira - esta última um recurso dos mais graciosos - por enquanto não têm lugar garantido, pois a dureza e o tom seco chegaram primeiro. Agora é hora de pensar a imigração japonesa com um pouco mais de filosofia, um pouco mais de arte. Integrar a razão com o sentimento, afiar os olhos para ver o passado no presente. Quebrar o tempo linear. Invocar todos os tempos em um só momento, em um só instante materializado para sempre em um frame.