terça-feira, 26 de março de 2013

A Hora mais Escura


Por um lado, é um grande filme, cinematograficamente falando. Eu acho que a Jéssica Chastain está fantástica nesse filme, e a direção da sra. Bigelow é ótima como sempre, injetando um pouco de virilidade no oscar.

Mas bem, me lembrei que um dia tive o privilégio de ver um debate onde estavam presentes a Maria Rosário Caetano e o Luiz Zanin, da folha - figura que tem reputação em São Paulo de ser um crítico com bom senso.

Pois bem, a Rosário, conhecida amiga e admiradora do Bernardet, citou o velho amigo em meio ao debate que estava rolando.

Ela disse algo como: [Uma vez, em um festival no nordeste, na mesa de debate estavam o Zanin e o Jean-Claude. O Zanin foi o primeiro a dar sua opinião sobre um filme que estava na competição, e ao chegar a vez de Jean-Claude, o franco-brasileiro provocou Zanin ao criticar a análise que o segundo estava fazendo sobre o filme: "Zanin, você fala que o filme tem isso de ruim, mas por outro lado tem isso de bom... é sempre isso, porém também aquilo... Zanin, tem que falar que o filme é horroroso e pronto!". O Jean-Claude não alivia. Fala na lata! Coisa de europeu.]. A memória pode trair, e com certeza não foi exatamente isso que ela falou, mas o sentido da coisa está preservado. Ela queria dizer que a postura de Jean Claude enquanto crítico é a de nunca contemporizar as coisas. Realmente, mentalidade européia. Nós, brasileiros, temos dificuldades em lidar com críticas e discordâncias. É algo cultural, e que tem um peso decisivo na forma com que alguns críticos se comportam ao comentar alguns filmes.

Eu achei tudo um pouco cômico dadas as circunstâncias, mas enfim, eu não quero ficar discutindo esse episódio em si. O fato é que a memória resgatou de maneira imprevisível esta lembrança quando agora há pouco eu estava em dúvida sobre o "A Hora mais Escura", que conheci com grande atraso.

Por um lado gostei muito do grande cinema que ele é, de deleitar os olhos e os sentidos. No entanto, não posso perdoar um filme que fala sobre a captura de Osama Bin Laden que nem sequer coloca em questão a veracidade toda deste episódio. É sabido hoje que nunca houve provas confiáveis de que ele realmente morreu na data que os EUA anunciaram. Parte da imprenssa oriental (sim, ela existe e é bem diferente da nossa) cansou de denunciar esta farsa, coletando inúmeros indícios de fraude. Osama teria morrido em 2001, mas a sua "sobre-vida" de 10 anos dada pelos EUA seria apenas para manter viva a mais forte justificativa da tal "guerra ao terror" que os EUA empreenderam no Oriente Médio nos últimos dez anos. O que eles fizeram lá, todo mundo viu. Invadiram território alheio, nunca acharam bomba nuclear nenhuma (e mesmo se achassem, qual o problema? Eles têm as deles...) e assassinaram milhares de civis e políticos.

Mas bem, também não quero me alongar nos meandros dessa complicada política mundial de cujas motivações e planos a gente não tem nem idéia. Apenas gostaria de dizer algo que é um fato, concorde-se ou não com ele: ao realizar um filme sobre a captura de Bin Laden desta fomra, parte-se da premissa de que esta história foi verdadeira. Enquanto isso, viu-se muita discussão (principalmente nos jornais americanos) sobre a questão do filme referendar ou não a prática da tortura enquanto métido de coleta de informações. Bem coisa de americano conservador mesmo achar que, em algum momento, mostrar tortura em um filme significa necessariamente concordar com ela. Confundem citação/descrição com adesão automática por parte do autor em relação a aquilo que é citado/descrito. A Hora Mais Escura, claramente, não se posiciona ao lado da prática da Tortura.

Uma boa escolha do filme é priorizar ver o lado humano em meio à uma guerra que é ruim para todos. Porém, isso não deixa de lembrar o Spielberg de "Munich" e seu lema "os assassinos secretos judeus sofriam crises de culpa, coitadinhos". Claro que a abordagem de Spielberg é muito diferente da de Bigelow - e acho que posso estar forçando a barra ao compará-los desta forma. Mais certo dizer que ambos tentaram, cada qual à sua maneira, filmar os conflitos interiores de pessoas envolvidas diretamente nesses grandes eventos políticos violentos. Como o ser humano convive com a sua crueldade e impulsos assassinos latentes? A abordagem dela é mais "justa" pois capta melhor tais conflitos interiores tentando sempre evitar qualquer espécie de maniqueísmo (que por sua vez é desejada a todo custo pelo diretor de "Munich"). No entanto, apesar de interessante, a abordagem focada no comportamento emocional da agente assassina da CIA, Maya, acaba deixando de fora um comentário sobre a verdade ou não dos motivos que a levaram até lá. Penso que é natural que um filme de Katrhryn Bigelow seja assim. Seus filmes costumam acompanhar pessoas e grupos de pessoas envolvidos em uma missão. E no que ela faz, ela é muito boa. Ainda, estou ciente de que eu estou criticando algo que o filme não é, como se eu estivesse falando de um outro filme. Ao mesmo tempo, o que ele deixa de fora não pode ser completamente ignorado, pois se o enquadramento é a arte do recorte, é também relevante buscarmos ver o que o filme deixa de fora (o cinema é muito rico também por isso). 

O filme até deixa uma pequena margem para que o corpo que Jessica reconhece ao final não seja o de Bin Laden, pois ela ja havia demonstrado sinais de esgotamento, e seu desespero para que aquilo tudo acabasse rápido e sua sede de sucesso e vingança eram tão fortes que ela facilmente poderia somente ter "visto aquilo que ela queria ver", uma vez que o rosto do corpo estava parcialmente desfigurado devido aos tiros. Ainda, na fabulosa cena da invasão final, uma menina local diz que o homem morto tinha outro nome, mas isso é um momento muito rápido e em torno dele existe um caos que não nos permite fixar a devida atenção a tal "detalhe".

É inútil discutir conspirações ou não conspirações. Todo mundo acredita no que quer. O que não devemos perder de vista é que esse novo filme da Sra. Bigelow deve ser visto com um distanciamento, com bastante recuo, pois ele é um produto político do imperialismo americano sim, mesmo que o critique em alguns pontos (e o faz com uma ironia sofisticada). Não é que o filme deva ser condenado por isso, ao contrário, cinema é legal por isso, a gente pode ter contato com todas as formas de pensamento e ideologias. De qualquer forma, dei bola preta no quadro da Interlúdio.